O xadrez melhora o desempenho das crianças na escola?

Um artigo científico mostra que jogar xadrez melhora o desempenho em certas áreas acadêmicas, mas não da maneira que você imagina.



O estereótipo do jogador de xadrez

Já faz parte do senso comum que jogadores de xadrez são bons em matemática, possuem excelente memória e são ótimos em atividades cognitivas. Jogar xadrez ainda é visto como sinal de inteligência e disciplina. Também faz parte do senso comum recorrer a atividades extra-curriculares a fim de melhorar habilidades das crianças, seja no campo acadêmico ou não. E uma dessas atividades é o xadrez, que é oferecido por diversas escolas, tanto como atividade recreativa quanto parte do currículo escolar. Os autores Islam et al., em seu artigo The Effects of Chess Instruction on Academic and Non-Cognitive Outcomes: Field Experimental Evidence from a Developing Country (Os efeitos do ensino do xadrez em resultados acadêmicos e não-cognitivos: evidências experimentais de campo em um país em desenvolvimento), analisam se jogar xadrez realmente oferece algum benefício.

A hipótese principal do artigo é que o xadrez ajuda com conceitualizações e diminui a aversão a riscos. Para isso, os autores buscaram medir “tendências a correr riscos, paciência, criatividade, foco e atenção”. Outras hipóteses incluem melhoria no raciocínio lógico e outros benefícios cognitivos. Islam et al. ainda enfatizam a relevância do artigo no campo da economia, uma vez que desenvolver habilidades não-cognitivas, como comportamento social, torna-se muito importante em fases posteriores da vida.

Experimento, hipóteses e resultados: há mesmo benefício?

O experimento

O artigo foi escrito baseado nas descobertas dos autores após conduzir um experimento com alunos do ensino primário no sudoeste de Bangladesh, entre janeiro e fevereiro de 2016, em escolas selecionadas aleatoriamente.

Os autores ressaltam que “as escolas foram divididas aleatoriamente em dois grupos: oito no grupo de tratamento e oito no grupo de controle. Doze alunos nas escolas de tratamento receberam doze dias de treinamento de xadrez (distribuídos ao longo de três semanas)” e “o ensino de xadrez envolveu o ensino das regras do xadrez e da estratégia básica do xadrez.' O ensino de xadrez foi feito com materiais gratuitos fornecidos pela FIDE, e os alunos receberam aproximadamente 30 horas de aula.

O estudo utilizou uma abordagem empírica para testar sua hipótese, coletando resultados em diversas fases, alguns até outubro de 2016. Na análise dos dados, os autores realizam cálculos estatísticos (como regressão de mínimos quadrados ordinários) para calcular o impacto real que o treinamento de xadrez teve em cada aluno. Os detalhes completos, equações e o processo podem ser encontrados no artigo original.

Principais resultados e descobertas

No entanto, ao fazer uma verificação estatística muito rigorosa (para evitar conclusões apressadas ou falsas), os pesquisadores chegaram a um ponto importante: concuiu-se que “os efeitos do treinamento de xadrez em outras notas, criatividade e capacidade de atenção/foco não foram importantes o suficiente do ponto de vista estatístico”. Portanto, podemos afirmar que o estereótipo da ligação entre xadrez e habilidades matemáticas deve ser reavaliado.

Na verdade, a principal descoberta foi: o treinamento de xadrez reduziu o nível de aversão a riscos do grupo de tratamento quase um ano depois do fim do estudo. Uma vez que estar disposto a correr mais riscos pode se mostrar benéfico em aspectos acadêmicos, corporativos e sociais, é bem provável que os alunos do grupo de controle se mostraram mais dispostos a se engajar em trabalhos escolares, falar em público, pedir ajuda e realizar atividades extracurriculares que não fariam caso contrário.

Além disso, mas agora talvez menos surpreendente, provou-se que “o treinamento de xadrez melhora as notas de matemática, reduz a incidência de inconsistência temporal e a incidência de preferências temporais não-monotônicas” (Islam et al.). O vocabulário estatístico às vezes é difícil, não é? Isso quer dizer que as crianças se tornaram mais consistentes e melhores em fazer planos de longo prazo. Em outras palavras: elas ficaram menos propensas a ser impulsivas e passaram a manter seus objetivos. O xadrez ensina a pensar à frente e a valorizar os resultados futuros.

Limitações do estudo

É preciso ressaltar que há uma falta surpreendente de pesquisas e estudos de campo sobre o tema. Por isso, os autores do estudo incentivam a realização de mais pesquisas para comprovar a teoria. Da mesma forma, o próprio estudo deles possui limitações importantes que precisam ser consideradas:

  • Contexto geográfico específico: O experimento foi realizado em uma área rural de um país em desenvolvimento (Bangladesh). Os autores alertam que a forma de ensino e a disponibilidade de recursos nessas escolas são muito diferentes de escolas em países desenvolvidos, onde há mais recursos. Eles mencionam que o tempo de ensino efetivo é menor devido à falta de professores. Além disso, a frequência dos alunos nos dias de treinamento de xadrez não foi registrada, o que pode afetar os resultados.
  • Influências externas não controladas: É quase impossível isolar o xadrez de outras influências. Em países desenvolvidos, por exemplo, muitas crianças participam de aulas particulares (como matemática e idiomas) que também fortalecem o raciocínio. Isso significa que, em um estudo realizado nesses locais, seria difícil isolar o efeito direto do xadrez, pois o resultado da criança estaria “contaminado” por outras atividades de enriquecimento.
Para ler mais detalhes sobre o estudo e o tema, recomenda-se ler o artigo completo disponibilizado abaixo.

Fontes:

Postar um comentário

0 Comentários