Como criar chances de vencer uma partida de xadrez? Principalmente quando se está em uma situação em que a vitória é necessária, ou quando o oponente parece estar contente com um empate, é necessário chacoalhar a posição para ter chances reais de vitória. Este primeiro artigo da série Estratégia de xadrez vencedora mostra como fazer isso.
O conceito de desequilíbrios no xadrez
Desequilíbrios são as diferenças reais (materiais, posicionais ou dinâmicas) entre as posições dos dois jogadores. Essas diferenças tornam certas ideias e planos melhores, ou mais apropriadas, para um lado. O objetivo é identificar quais desequilíbrios existem e escolher um plano que busca explorá-los ao seu favor e neutralizar o oponente.
O termo foi popularizado pelo saudoso IM Jeremy Silman, em seu livro How to Reassess Your Chess, que transformou essa ideia em um método prático para formular planos. É possível separar os desequilíbrios em estáticos e dinâmicos.
- Estáticos: ligados à estrutura e posições (peões, cor dos bispos, fraquezas fixas). Mudam lentamente.
- Dinâmicos: ligados à iniciativa, ataques, tempo e possibilidades táticas. Podem desaparecer em algumas jogadas.
Os fatores mais comuns a fim de identificar desequilíbrios são: material; diferença entre peças menores (bispo e cavalo); estrutura de peões; segurança do rei; iniciativa; vantagem de desenvolvimento; espaço e mobilidade das peças; controle de casas-chave, linhas ou colunas; e casas enfraquecidas.
Mas antes de vermos exemplos práticos, é necessário destacar que buscar desequilíbrios não é assumir grandes riscos. Não é jogar uma linha arriscada e esperar pelo melhor. Na maioria dos casos, isso seria uma decisão superficial e errada. Xadrez não é um jogo de sorte.
Vencer é uma habilidade e, portanto, algo que pode ser aprendido. Para isso, é preciso obter uma posição em que sua habilidade possa ser demonstrada. E a melhor maneira para que isso aconteça é criando um desequilíbrio. Vejamos alguns exemplos.
Exemplo 1: melhor estrutura de peões vs. par de bispos
Em 2018, no Campeonato Mundial contra Magnus Carlsen, Fabiano Caruana e sua equipe tiveram uma tarefa difícil: ao jogar de brancas, como chegar a uma posição que oferecesse boas chances de vitória?
Carlsen decidiu optar pela Siciliana Sveshnikov como sua principal arma defensiva contra 1.e4. Para conseguir uma luta contra um oponente muito bem preparado, Caruana tentou criar desequilíbrios de longo prazo. No primeiro jogo, ele optou pela variante Rossolimo:
1.e4 c5 2.Cf3 Cc6 3.Bb5 g6 4.Bxc6 dxc6
Por que alguém entregaria o par de bispos voluntariamente no quarto lance? Na variante Rossolimo da defesa Siciliana, as brancas criam um tipo de desequilíbrio muito específico: buscam uma melhor estrutura de peões, mesmo que isso custe o par de bispos.
Os peões dobrados das pretas possuem a tendência de se tornarem fracos no futuro. Tudo bem, o peão em c5 agora pode ser defendido com ...b6, mas ter que ficar de olho nesse peão significa que toda a estrutura de peões na ala da dama das pretas está imóvel.
Além disso, peões dobrados podem favorecer o par de cavalos das brancas, que geralmente se dão bem em posições com peões debilitados. As pretas, por sua vez, buscam abrir a posição, para que seu par de bispos tenha força total.
Outro fator importante é que esse desequilíbrio é estático, ou seja, ele não vai desaparecer tão cedo. Não é possível “desfazer” a troca do bispo branco, e é muito difícil trocar um bispo preto para melhorar a estrutura de peões. Como consequência, a luta estratégica tende a ser bastante complexa para ambos os jogadores.
No Jogo 1 do Mundial 2018, após 14 lances a posição não está nem perto de chegar a um mero empate. A luta está mais viva do que nunca, observe:
5.d3 Bg7 6.h3 Cf6 7. Cc3 Cd7 8.Be3 e5 9.O-O b6 10.Nh2 Nf8 11.f4 exf4 12.Rxf4 Be6 13.Rf2 h6 14.Qd2
Os bispos pretos parecem muito fortes, mas não subestime a posição das brancas. Elas estão melhor desenvolvidas e podem usar a coluna F para atacar. Carlsen se viu obrigado a jogar 14...g5, ampliando seu espaço na ala do rei. Contudo, a posição só tende a ficar ainda mais desequilibrada, porque ele precisa fazer o roque na ala da dama.
Exemplo 2: estrutura de peões assimétrica
Ainda no mesmo confronto, outras duas partidas na Rossolimo foram empatadas. Assim, os jogadores partiram para outra linha: no Jogo 8, Caruana tentou a linha com 7.Cd5 da siciliana Sveshnikov.
1.e4 c5 2.Cf3 Nc6 3.d4 cxd4 4.Cxd4 Cf6 5.Cc3 e5 6.Cdb5 d6 7.Cd5 Cxd5 8.exd5 Cb8
O desequilíbrio dessa posição é a estrutura de peões assimétrica. As brancas possuem uma maioria de peões na ala da dama, e isso faz com que as pretas não possam jogar de forma passiva. O mesmo vale para a ala do rei: com o rei em g1, é quase impossível se defender passivamente contra a tempestade de peões das pretas.
Portanto, ambos os jogadores precisam combinar atividade na ala que lhes favorece e, ao mesmo tempo, tomar medidas defensivas contra o ataque do oponente.
Esse é mais um caso de desequilíbrio estático: não há como desfazê-lo e voltar para uma posição que tende ao empate. O jogador mais preparado será favorecido e, na maioria das vezes, vencerá. Caruana ficou muito perto da vitória. Veja a posição após 20 lances:
Caruana jogou 21.c5!, aproveitando sua maioria na ala da dama. O computador dá uma vantagem enorme para as brancas aqui. Embora a partida tenha acabado empatada, o resultado da abertura é impressionante: não é fácil ficar ganho contra Carlsen em apenas 20 lances.
Exemplo 3: Rápido vs. Lento
1.Cf3 d5 2.c4 d4
Após somente dois lances, já existe um desequilíbrio na posição. Anand, que enfrentava um jogador com o rating bem menor que o seu, joga o ambicioso 2...d4, quando seu peão pode ser tanto a maior força quanto a maior fraqueza dele.
A escolha de Anand já começa a colocar pressão no oponente, pois o peão está bem avançado: as brancas podem obter a iniciativa, se jogarem ativamente. Porém, se permitirem que as pretas se desenvolvam e defendam o peão em d4, terão uma excelente vantagem posicional de espaço.
Esse é um exemplo de desequilíbrio em que o jogo rápido e ativo favorece as brancas, e o jogo lento, no qual os dois lados desenvolvem suas peças, favorece as pretas. Agora pense por um momento: você seria capaz de “ir para cima” contra Anand na abertura? O mestre Fide Matthias Bach não estava preparado para isso e escolheu o caminho mais calmo. Como resultado, após 13 lances as pretas ficaram bem melhores:
O peão em d4 está defendido, e as pretas possuem boa vantagem porque têm mais espaço e peças mais ativas. Anand venceu sem muito esforço.
Exemplo 4: O bispo incontestado
Jogadores experientes podem explorar a dificuldade de transportar o bispo de uma ala para outra criando um desequilíbrio sutil. Observe a posição a seguir:
Os quatro cavalos desapareceram rápido, e um olhar rápido pode achar o resultado da abertura satisfatório para as pretas. Mas não se deve ignorar o fato de que o bispo preto de casas escuras opera em uma diagonal diferente do bispo branco de casas escuras. Em geral, bispos de mesma cor na mesma ala pouco interagem um com o outro.
Tomashevsky aproveitou para posicionar seu bispo em b2, e seu oponente permitiu que ele abrisse a diagonal maior, bem como a coluna F. O resultado após 13 lances é terrível para as pretas, que agora estão muito pior.
O bispo preto em c5 é quase inútil, enquanto que o bispo branco em b2 desempenha um papel importante. As brancas ainda dobraram as torres na coluna F e levou o outro bispo a e4, apontando todas as forças para a ala do rei. Não é preciso dizer quem venceu.
A seguir você pode conferir na íntegra todas as partidas usadas como exemplo.
Conclusão
Como mencionado, existem muitos outros desequilíbrios que um jogador sério deve conhecer. Alguns são óbvios, como fazer o roque em alas diferentes. Outros são mais sofisticados, como a luta entre um bispo e um cavalo. Mas a lição que fica é: se você quer jogar para vencer, não precisa assumir riscos em excesso; basta criar um desequilíbrio estratégico de longo prazo e, a partir dele, provar suas habilidades.

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